Uma doce reconciliação com a vida e com os outros

A gratidão das pessoas de África (sempre)

Sobre a arte de Viver em África e de escre(Ver) em Angola (I)

Ali continuei, durante um tempo, parada, a olhar para as suas expressões. Estavam eufóricos e contavam, um ao outro, dos seus danos. A L e o C relatavam os acontecimentos da noite anterior, enquanto sorriam. Era uma ligeireza e uma placidez.

O C reparou que eu os observava: “Quando chove em Luanda ninguém dorme, D. Cláudia: temos de ficar acordados a noite toda para proteger as nossas casas. Temos tudo molhado. Nos bairros é assim”.

Não conseguia parar de olhar para eles e enquanto os ouvia pensei como seria se fosse eu.

A comparação que fazemos com a nossa realidade é inevitável e é aqui que a terra ocre nos toca, profundamente. Largar a habilidade de ajuizar porque assim que se compreende o julgamento acaba e sustemo-nos na sublime singeleza de tudo.

José Silva Pinto

As zungueiras-guerreiras alinham meticulosamente os ananases nos alguidares de levar à cabeça. Conversam sentadas nos passeios; correm no encalço do cliente; brincam com as crianças- cansadas das costas; amamentam a andar; dormitam no pano, pra sonhar. Os meninos crianças carregam a água à cabeça. As mulheres trabalham o sustento da família e andam e pelejam, todo o dia, de um lado para o outro. Um homem descalço procura nos restos do lixo o que perdeu e precisa. Uma multidão de gente conversa no quintal: é mais um óbito.  O mais velho procura-me na janela do carro: direto, aberto e ligeiro pede-me qualquer coisa. Uma menina atravessa a passadeira e enquanto rasteja no chão segue caminho, sem vacilar. Fazem-se unhas, arranjam-se cabelos. Namoriscam, brincam, perdem, encontram, bulham, dançam, suportam, festejam, inventam e agradecem.

Ora os nossos olhos reagem húmidos de estranheza, e resignação, ora enxugam de admiração.

José Silva Pinto
José Silva Pinto

Chegou a altura de ser clara acerca do que se sente sobre a arte de viver em África e de escrever em Angola.

Há uma coisa que todos sabemos sobre as pessoas do mundo. Todos queremos ser felizes. Mas a forma como imaginamos essa felicidade varia de pessoa para pessoa.

Dizem que se estamos felizes estamos gratos. Mas será que todas as pessoas felizes são gratas?

Se conhecemos tantos que têm tudo para serem felizes e não o são também há aqueles (e são aqui tantos) que passam por contrariedades que ninguém gostaria de passar e são interiormente felizes.

Se este berço do mundo é o dono de tamanhas injustiças, limitações e padecimentos é também o mestre do agradecimento.

Os sorrisos inesperados que vemos brilhar nas faltas é surpreende.

José Silva Pinto

Claro que não são gratos pelas tristezas, pelas iniquidades, pelas chuvas que abalam as casas, ou pelas faltas diárias que suportam. Mas agradecem, pacientemente, por cada momento que lhes é dado.

Aproveitam a oportunidade de cada instante porque sabem que é único e irrepetível. Por isso agradecem, sempre. Não agradecem de vez em quando.

José Silva Pinto

As adversidades transformam-se em oportunidades porque prosseguem e esperançam sempre. Prosseguem e agradecem sempre.

Nas retas infindas de África, nos rostos valentes das ruas severas de terra vermelha, e na simplicidade das vidas alvoraçadas por um sol ardente e uma chuva veemente afirmamos o verdadeiro poder de África.

José Silva Pinto

Em África é a gratidão que traz a felicidade.

Distinguem-se as pessoas que são gratas das que vivem em gratidão.

Porque param. São pacientes, confiantes, e reconhecidas pelo presente da vida. Sempre.

José Silva Pinto

 

Cláudia Rodrigues Coutinho

Luanda, 29 março de 2019

(texto publicado no site VerAngola)

Fotografias da autoria do José Silva Pinto  que tem um olhar especial: romântico, real e humano. “Fotografias com gente lá dentro”.

Admiro o seu trabalho.