Faz tempo desde a primeira crónica “(Sobre)Viver em Angola”, no VerAngola, que regista a minha chegada a este país novo.
Recebo, desde aí, mensagens de (des)conhecidos e amigos – novos, e de sempre – que me acrescentaram e fazem de mim uma pessoa mais feliz.
Tenho tomado realidades e partilhas de vida que me ajudam a apadrinhar esta Angola-nossa, controversa e contraditória.
Recebo pedidos de troca de impressões, opiniões, para uma possível mudança para Angola; recebo, também, testemunhos, e a experiência, de quem cá vive, ou viveu; e ainda sugestões para sair para outras províncias, fora de Luanda, e confirmar a extensa dimensão da beleza natural e humana, ímpar e diversa, deste País.
Devo agradecer, de forma muito modesta, aos que me acompanham nesta passagem de dúvidas – e certezas – que Angola, e a condição de emigrante, abona.
É verdade: viver em Angola não é exacto; sabemos dos bons sentimentos e dos seus avessos; não há um sempre, um justo ou um certo; há um possível, um talvez e um incógnito.
Com Angola vem a questão da saúde. É a primeira preocupação. O risco da malária, do dengue, tifóide, febra amarela, tuberculose, entre outras doenças; hospitais, e meios, em falta. Colocamos repelente, temos cuidados de prevenção, levamos vacinas e ainda assim vivemos no risco; rezamos para que nada aconteça, de grave, na nossa saúde, na saúde dos filhos , familiares e até professores, e educadores, dos nossos filhos.
As dificuldades de divisas são uma realidade; a falta de luz e de água: também; o gerador e o tanque de água são, por isso, peças essenciais nas vidas de cá ( já entendo tanto de geradores como de maquilhagem e prezo que esteja sempre a funcionar bem).
O caos do trânsito é mais que certo: as regras e os semáforos escasseiam; na estrada o desgoverno das Hiace azuis e brancas (candongueiros: são o transporte das pessoas) e das motas comandam a marcha – muitas vezes prefiro fechar, simplesmente, os olhos, e travar, no lado do pendura: seja o que Deus quiser.
Não se anda a pé, sem reservas, em qualquer zona; e não batemos, simplesmente, a porta para beber um café. A vida faz-se em casa ou em casa dos amigos.
Esbarramos, e encaixamos, organizações, e formas de estar, bem divergentes das nossas. Vivemos intensos níveis de emoções: umas vezes muito boas, libertadoras e abrangentes; e outras muito más, acutilantes e difíceis.
Nas ruas é fácil desvendar rostos e movimentos de uma vida resistente.

As mulheres zungueiras – mães trabalhadoras corajosas – andam, ou ficam sentadas nos passeios, de alguidares à cabeça, ou no chão (muitas, com os filhos presos às costas pelos lindos panos africanos). É impressionante o que elas conseguem carregar à cabeça: fruta, legumes, bolos, peixe, bolachas, mercearia.
Os roboteiros são os senhores carga que andam com os carros de mão, feitos com uma roda de um carro, ou mota, sobre uma estrutura de madeira, que transportam as cargas pesadas, e volumosas, das pessoas.
O vendedor ambulante passa o dia inteiro no meio da estrada, por entre as filas justas do trânsito e as razias perigosas das motas e carros: vendem águas geladas, cucas, pipocas, ferros de engomar, tapetes, pilhas dos relógios, brinquedos, ténis, roupa e tudo o que se imagina e não imagina.
Os lavadores de carro são muitos, e jovens: lavam e limpam os carros sujos do pó, de Luanda, com aprumo e dedicação – é o sustento.
Os senhores polícias estão bem presentes nas ruas e multam por infrações reais, ou nem por isso, que se pode, por vezes, resolver com uma gasosa.
Jipes, e carros, circulam de vidros fumados e fechados.
As ruas são o coração da vivência do povo. Nas estradas empoeiradas, e desorganizadas, chegamos a encontrar buracos capazes de engolir carros; os condomínios modernos, vedados, traçam linhas de alterações de realidades; os musseques existem em escala; o povo contorna os dias que passam..
Em dias tristes e frustrantes apetece desistir e em dias eufóricos e revigorantes apetece continuar, com o peito bem cheio de mundo e de ar.
Cláudia Rodrigues Coutinho
Luanda, 6 de junho de 2017