Uma doce reconciliação com a vida e com os outros

A boa Angola que eu vi (IV)

Baia farta

Acabo de participar na récita da Escola Portuguesa de Luanda dos meus filhos (cheguei a casa e apeteceu-me acrescentar este parágrafo, a este texto, que já vai longo).

Lá,  cantei o Hino de Angola, com emoção;  no Hino de Portugal refleti uns olhos húmidos, sentidos de orgulho; bati as mãos com toda a força e de coração ao rubro, cantei, alto, Portugal.

Tanto subiram ao palco os ritmos tradicionais da Terra de Miranda, os Pauliteiros, como o eletrizante Kuduru (dança e género musical, estilo house africano em que se misturam elementos eletrónicos com o folclore tradicional, feito pelo povo mais pobre de Luanda) ou as alegres Marchas Populares. Cantámos as marchas e dançámos, efusivamente, o semba ou o kuduru.

Foi um encontro, feliz, de ritmos, de músicas e de vivências. Professores, alunos e pais – Portugueses e Luso-Angolanos – celebraram, assim, estes laços bem vivos e tão bons de se sentir entre Angola e Portugal.

As contínuas sugestões que continuo a receber para visitar a província de Benguela,  ou o Huambo (nome colonial: Nova Lisboa),  o Lubango (Sá da Bandeira), Kalandula (Duque de Bragança) ou Namibe (Moçâmedes) dos  meus amigos leitores do VerAngola – bem como de algumas pessoas amigas, de Santarém, que estiveram em missão, ou viveram, cá, na era colonial – despertaram-me uma grande curiosidade, e vontade, de conhecer as desmedidas realidades deste país -fora de Luanda.

Nunca tínhamos saído da província de Luanda e, aproveitando o meu aniversário dos 40, começámos pela bonita província de Benguela – que fica no litoral centro de Angola – e as cidades do Lobito, Benguela e Baía-Farta.

Assim que saímos do aeroporto internacional da Catumbela – estrutura nova e ampla – em estrada  asfaltada e duas vias em cada sentido, saltam à vista as vivas plantações de banana; a bonita, e importante, linha dos caminhos-de-ferro de Benguela; os imensos bairros de casas, minúsculas, coladas à paisagem (morros); muita gente na estrada. Conheci o importante porto do Lobito; as singelas igrejas da época portuguesa, casas e edificios coloniais, lindos, as identificações antigas das empresas portuguesas, que testemunham um outro tempo; o mangal com flamingos cor de rosa.

As praias despertam os sentidos; na Restinga, Baía Azul ou Morena dei com uma avassaladora união de azuis, do céu e do mar,  que me fez velejar num mar que leva e trás uma harmonia, e silêncio, pujantes. A areia branda, e branca, explora, e afirma, a beleza de um azul sem fim.

Nesta pequena viagem, senti vi de perto, pedaços da história de tantos portugueses que por ali passaram. Espantei-me no ideal de um tempo que passou e ficou nas suas tamanhas memórias.

Dividida entre 18 províncias, Angola estende-se por diferentes experiências: as diversas praias virgens intermináveis, as florestas, as savanas, as áreas desérticas e de estepe; e as diferentes tribos, línguas, culturas e modos de vida.

A arte é unânime. A música é lei. As festas são ordens e indispensáveis. Os ritmos e movimentos do semba, quizomba, kuduru e outras melodias, e danças, despertam a alegria contida.

Defrontam-se lutas desleais com a vida, pessoas aflitas, meninos sem teto, mulheres sofridas, crianças-cansadas; e e resolvem-se pessoas boas, inteligentes, lutadoras, festeiras, alegres e corajosas.

Na última vez que estive em Portugal, uma grande amiga confidenciou-me que o marido lhe contou (após uma breve visita a Luanda com que nos presenteou) que eu corro no pateo, minúsculo, da minha casa. Ela disse-me que não parou de pensar nisso e, desde então, valoriza mais o espaço, imenso, disponivel, que tem – e não ligava.

Quando eu explico a alguém que corro entre quatro paredes do meu quintal: faço-o com a felicidade de conseguir transformar um, suposto, obstáculo numa singela solução que me dá o que eu preciso.

O que no início parece difícil, quase impossível, passa a capaz: é o maior sentimento de Angola.

Depois de viver em Angola e com a (minúscula) valia de conhecer mais um pedaço da terra vermelha, deixo-vos a razão dos que ficam e não desistem de sonhar o que não se vê.

Deixo-vos a imagem de uma Angola penetrante e sedutora.

De uma terra autêntica, festeira e melodiosa. Triste, incerta e agridoce.

De um país infantil e distraído;  misterioso e forte.

Tão poderoso e fausto; como cruel e árido.

É intenso e é tentador.

Angola é a arte da alegria e da tristeza. É a emoção em pessoa.

É o tudo e é o nada.    

Enquanto escrevi este texto, fui saindo do caminho das primeiras impressões. A confiança do sol dourado, daquele dia, em Benguela, envolveu-me de clareza.

Certeza por certeza, melhor a do sonho que atesta o que somos na calma da esperança e na renúncia da fantasia (que é pequena de sossego e grande de ilusão).

Vestem roupas gastas, chinelos pequenos, correm contra o tempo, sabem o pouco e esperam o futuro; combatem os dias; procuram. Ainda assim, os meninos-homens-bons-que-sonham-e-sorriem brilham no escuro, como verdadeiras jóias de corações preciosos.

É a boa Angola que eu vi.

Benguela (bananeiras)

Luanda, 6 junho 2017

Cláudia Rodrigues Coutinho