Havia uma pessoa, no meu trabalho, que era conhecida pela sua presença habitual, e agitada, na nossa receção. Dirigia-se ali, frequentemente, para exigir a solução de um problema. Sempre que ele aparecia havia logo um certo mau estar, em relação a ele, devido à sua postura agressiva de ser – com gritos e desaforos. Era sempre assim e não falhava uma semana.
Aquela postura, realmente, irritava toda a gente. O assunto que ele queria resolvido estava a ser acompanhado pela instituição mas era de uma resolução demorada e não imediata – como ele desejava.
O resultado foi uma aceitação mal-humorada por parte de toda a gente, em relação aquela pessoa. Sem lugar para um diálogo produtivo e coerente.
Um dia pediram-me para o receber.
Confesso que fiquei com receio pois na verdade não havia nada de novo para lhe comunicar – e o problema estava longe de estar resolvido.
Estudei o assunto e decidi uma abordagem diferente. Sabia que ia encontrar rancor e criticas e na ocasião de o receber mentalizei-me que não podia deixar que ele alterasse o meu bom humor. Já bastava um.
Pensei que provavelmente ele teria as suas razões para estar, ou ser, assim, zangado com a vida. Eu só tinha de ter o encaixe e a paciência de não reagir a quente, como ele decidira estar.
Desci, então, as escadas e enfrentei-o com um sorriso honesto, olhos nos olhos. Perguntei como estava e reparei na surpresa da minha aparente tranquilidade. Ainda assim começou com as habituais defesas.
Continuei com a mesma postura de o encarar: convicta, positiva e calma, e transmiti-lhe, olhos nos olhos, boa vontade para o ouvir.
Expus-lhe que entendíamos a sua revolta. Disse-lhe que provavelmente também me sentiria assim se estivesse no seu lugar e relembrei-o que estávamos ali para resolver um problema, que era nosso.
Deixei-o falar tudo o que queria e mantive-me tranquila. Não reagi e não devolvi desaforos e gritos. Ouvi tudo e devolvi tudo, no silêncio.
O resultado não foi imediato mas a conversa acabou num tom bem mais leve, livre de ressentimentos e de alterações de humor.
Finalmente, deixou-me explicar a razão do problema ainda não estar deliberado e aceitou a nossa ideia.
Este episódio tão simples e pessoal confirmou-me mais uma valiosa lição sobre a arte de lidar com os outros.
É claro que não basta só isto para que tudo fique sempre melhor, mas sem esta capacidade de nos relacionarmos com os outros – de um modo coerente, pensado e sincero – tudo se torna mais difícil de conquistar, em especial usufruir do melhor de cada um de nós.
E atenção que não estou a falar de influenciar as pessoas com o único propósito de as colocar do nosso lado – e na razão de nos ajudar a alcançar um qualquer beneficio especifico.
Não estou a falar de técnicas da manipulação e da influência imediata sobre os outros através de um charme, envolvimento ou interesse vazio. Assente na base de uma estrutura de circunstância .
Não falo do único intuito de criar uma impressão favorável sobre alguém que nos interessa, para um determinado fim.
Estou a falar daquilo que sustenta tudo. O que é verdadeiro e acontece de dentro para fora.
Falo do carácter profundo. E da benevolência honesta.
Sem o alicerce da integridade e da ética acredito: tudo acabará por desabar, no tempo.
Quando no propósito com os outros e com a vida o “ser” supera o “dizer”: magia acontece.
Cláudia Rodrigues Coutinho
Luanda, 8 de maio de 2019