Uma doce reconciliação com a vida e com os outros

O Fecho de um Capítulo

Cacuso, 2019

Em Angola, e em África, eu fui muito feliz.

Depois de 4 anos a viver em Luanda chegou a hora de regressar a casa.
Parti de vez, este verão; e refletindo sobre estes 4 meses em Portugal sinto-me ainda a chegar, devagarinho.

Talvez lá tenha deixado um pouco de mim, talvez lá tenha deixado parte do meu coração.

Regressar a casa depois de nos termos desprendido, um dia, do lugar onde crescemos e nos habituámos, obriga-nos readaptar e reajustar ao lugar que, embora nosso, nos soa também estranho.

Se é verdade, inquestionável, a grande felicidade do regresso a casa – que é sempre considerado como um caminho certo a seguir (como me disse um professor especial) – também não é menos verdade uma tal nostalgia e total confusão de sentimentos.

Ora chega a alegria, o contentamento, o conforto do regresso às origens; ora chega, de mansinho, a incerteza de um reinicio e um tal descontentamento que vai pairando na sombra.

Esta confusão de emoções, depois de uma partida, tira-nos o chão seguro e remete-nos para uma espécie de história de uma página em branco que resulta da estranha sensação de que, talvez, nunca mais nos voltemos a sentir bem em lugar nenhum.

E aqui estou, perante vós, serenamente, inquieta, a tentar entender o que África, as partidas e os regressos, me tiraram e deram.

Há pessoas que não precisam de partir para um novo lugar para se encontrarem. Mas eu precisei.
Em Angola, África, recebi novas lições. Fui enchendo o que ficou vazio com novas opiniões e conceitos, novos pensamentos, novos hábitos, preferências, normas, novas vivências e novas histórias.Saí dona de mais ideias: as minhas – que trouxe e traduzem o que era – e as novas, que encontrei, questionei e compreendi, e traduzem um novo modo de ser.

Quando se sai regressa-se com a sensação de que tudo mudou: porque vivemos fora e confirmámos um mundo novo. Um mundo completamente distinto do nosso que, por mais incrível que pareça, nos atesta muitas dúvidas e ansiedades, mas, igualmente, muitas surpresas e satisfação.

Em África atentamos pessoas alegres a sentir a Falta. A Falta de saúde, de comida, de educação, de casa, a falta de oportunidades, de dignidade, de respeito ou de afeto.
Mas ainda assim senhores de uma alegria bem translúcida, límpida, convicta de si e sentida no mais puro estado. Uma alegria que o nosso mundo desenvolvido, muitas vezes, não vislumbra.
Uma alegria cosida com as linhas dos seus sorrisos e gratidão. Uma alegria das pessoas que encaram o novo dia, como o último. Uma alegria daqueles que lidam com faltas e injustiças, invencíveis.

Encaramos quem, mesmo assim, decidiu combater com as armas da gratidão, o escudo da coragem, e a força da criatividade, da persistência, da humildade e da esperança.

Em África, em Angola, em qualquer partida, vivemos cada dia a agradecer, a partilhar e a sentir com sentido.

Unimo-nos como nunca e experimentamos a simplicidade da vida como sempre.

Cunene, 2019

As cores quentes, fortes e intensas, deste continente traçam-nos imagens mágicas e encantadas. O sol, que está bem próximo de nós, encandece como nunca, atravessa-nos a alma.

Tudo o que descortinamos é grande, imenso e livre, num rasgo de uma natureza imponente, adversa, por vezes injusta, mas, igualmente, límpida e tranquila.
E o ar. O ar abafado, vivo, quente, oferece-nos a sensação de pausa no tempo, como se estivesse suspensa no ar quente.
Nas árvores grandes imponentes, nos caminhos sem fim, nas montanhas magnânimas, no brilho dourado do sol quente e nos sorrisos limpos das pessoas: eu fui muito feliz.

Sabia que estava onde deveria estar.

Lobito, 2019

Fechei, assim, um capítulo, que não termina.

 

Cláudia Rodrigues Coutinho
Santarém, 13 de outubro de 2019

(obrigada)