Este texto não é um simples texto de opiniões. É um texto de narrativas. Narrativas vividas por mim, durante uma viagem de carro. Nela encontrei um dos segredos mais bem guardados e surpreendentes de sempre.
Em 2019, parti, com a família, de Luanda para o Namibe. Queríamos conhecer a riqueza da foz do rio Cunene, pisar o cálido deserto do Namibe e confirmar a existência da desamparada Ilha dos Tigres.
Pedimos um frigorifico emprestado a uns amigos para levar no jipe, pedimos referências e lá fomos no trilho das duras estradas de Angola com o desejo de experimentar a realidade, sentir o extenso território Angolano, em plena África Central Ocidental, a sul do Equador.
Sentíamos que compreender as regiões de Angola podia ajudar a esclarecer aquilo que é a sua história e desenvolvimento. Este país tem uma enorme variedade de climas, vegetação, relevo e culturas. A sua dimensão é imponente, onde existem duas orientações principais que devem ser dignas da nossa atenção: para norte e leste, a bacia do rio Congo e para oeste, o Atlântico. Para além disso, a sul estende-se o vasto deserto do Namibe – e é sobre o deserto e uma tal ilha desconhecida e abandonada que vos vou sussurrar ao ouvido.
O Namibe é uma província nuclear, pois, tal como Luanda e Benguela estende-se a partir da costa para o interior. Namibe é a zona costeira mais saudável de Angola e a Sul fica a árida região da fronteira do deserto do Kalahari.
É uma descida, de uma altura de dois mil metros até ao nível do mar, que se percorre em poucos quilómetros, numa rapidez e beleza bruscas. Em cima experimenta-se um verde fresco e húmido e em baixo um deserto amarelo, árido e quente.
Foi em 1485 que Diogo Cão desembarcou na região que foi batizada como Angra das Aldeias e mais tarde como Moçâmedes.
O Namibe é uma cidade calma e pequena, e é mais longe, a cerca de 45 kms, em direção à Foz do Cunene, que podemos encontrar um empreendimento turístico, o Flamingo Lodge, que garante os passeios à baía dos Tigres e à foz do Cunene. No caminho para o Lodge encontramos as famosas “Welwitschua Mirabilis” uma planta que só aparece naturalmente no Namibe e a norte da Namíbia. Diz que só cresce alguns milímetros por ano.
Chegando a este lodge damos conta do oceano atlântico lado a lado com o deserto como que a competir na magia e beleza.
É impossível fazer-se esta viagem sozinho por causa das marés pois é preciso escolher precisamente a altura da maré baixa em que se faz a viagem por uma faixa muito estreita de areia, sob o risco de ficarmos com o jipe submerso no mar, no subir da maré.
Fomos acompanhados por um jovem simpático Sul Africano, e toda uma equipa do Lodge, bem como um agradável grupo de portugueses, com quem partilhámos esta aventura na forma original da natureza e das pessoas boas.
Foi no alcance da beleza das vastas dunas de areia daquele deserto dourado e perfeito e na insatisfação de um vento sôfrego que me encontrei verdadeiramente a sós com a natureza, os seus elementos e animais.
O grito fulgurante do vento e as montanhas de areia brilhantes anunciam o quanto somos vulneráveis e indefesos.
Do Lodge até Baía dos Tigres são 150 kms e no final deste percurso ficámos num acampamento, do lado oposto à ilha, onde podemos apanhar um barco direto para lá.
Em tempos, duas fábricas de farinha de peixe e de conservas foram construídas na ilha, por portugueses, e duas cidades desenvolveram-se em torno desta.
Quando chegamos à ilha dos Tigres sentimos sinais de vida em ruínas, quase apagados pela vontade da areia e do vento.
Ainda é possível distinguir uma pista para aviões, uma igreja, escola, cinema e casas que foram construídas para dar apoio às fábricas.
Em 1968 durante uma tempestade, a península partiu-se e criou a ilha. A água passou a ser bombeada por barcaças e transportada para a ilha até 1974, ano em que a população portuguesa da ilha a abandonou, devido à independência.
Hoje a pista é utilizada apenas pelas gaivotas e as casas habitadas pela areia. Tornou-a um pedaço de terra perfeita para as aves marinhas tais como gaivotas, pelicanos e flamingos. É possível encontrar dezenas de milhares de focas que anunciam a emoção no vislumbre de uma ilha fantasma e o vazio do silêncio de uma vida que já foi.
Os sentimentos que experimentamos são muitos: surpresa, angústia, esplendor.
Quando regressamos podemos ver de onde veio o nome Tigre, uma vez que as dunas formam linhas pretas, parecidas com a pele de um tigre.
Ao longo das dunas até à foz do rio Cunene é possível ver flamingos, pelicanos, gaivotas e cada vez que paramos encontramos diferentes tipos de vida selvagem, entre caranguejos a decorar a praia, gazelas, oryx, chacais, hienas castanhas ou avestruzes.
Nesta ponta do Cunene confirmamos um duro deserto do Namibe, com os seus ventos a gritar veemente. Um deserto, dos mais antigos da terra, com um ecossistema raro, e de grande importância tornando claro a surpreendente extensão e beleza deste maravilhoso país.
Ficarei feliz se a leitura deste texto servir para levar outras pessoas confirmar a magnificência e beleza da paisagem Angolana, de África.
As notícias de primeira página sobre acontecimentos surpreendentes e a sequência de ocorrências trágicas no passado em nada diminuem aquilo que é o encanto único do território Angolano.
Contar histórias sobre Angola não se pode resumir aos tempos da mais dura escravatura, da sua conquista da independência, dos violentos anos de guerra civil, ou dum certo sossego político e condições socioeconómicas da atualidade.
Contar histórias sobre Angola é também contar as vivências e as histórias das pessoas com quem nos cruzamos. E se há coisa que aprendi é que tanto nas viagens, como na vida, o mais importante são as pessoas.
Desvendei-vos um dos segredos mais bem guardados e surpreendentes de sempre: um lugar fechado ao mundo, um destino desconhecido e inacessível, que é imperativo partilhar e onde me senti mais livre e em plena sintonia com a natureza.
Este lugar, as suas pessoas, as suas histórias e paisagens, exibem-nos a grande incógnita da felicidade de Angola, da vida. Ali, somos felizes sem razão.
Santarém, 20 de abril 2021
Cláudia Rodrigues Coutinho