Julgo que para uma miúda que resumia toda a sua ambição em tornar-se numa escritora, igual aos autores dos livros das lindas histórias que requisitara na carrinha da Gulbekian, aquela laranjeira, e o Guerisca, eram a companhia ideal.
Cresci numa casa que tinha um quintal, com muitas árvores; e com um cão que se chamava Guerisca.
O Guerisca esperava-me todos os dias, depois da escola, sentado ao portão, verde, da minha casa. Quando me via chegar abanava o rabo curto, de lealdade, e levanta-se de alegria. Corríamos um para o outro de saudade. Foi o primeiro amigo que tive; e ensinou-me tudo o que é preciso.
Havia, também, uma laranjeira especial, no meu quintal. Cresci a trepar e a saber desvendar-lhe cada ramo. Quando chegava ao topo olhava o tudo, como me ensinara; e enquanto me deliciava na doçura dos gomos das suas laranjas ela consentia que eu ficasse, ali, suspensa num tempo que me autorizava sonhar. Aquele olhar do tudo chegava sempre igual: “um dia, quando crescer, vou andar pelo mundo a escrever daqui”.
No verão passado revisitei o meu quintal. E, embora mais pequena, reconheceu-me. Continuava à minha espera.
Bem-vindos ao mais alto ramo da minha laranjeira.